quarta-feira, 10 de outubro de 2012

As minhas leituras: livro “O Desafio de Obama – a crise da economia americana e o poder de uma presidência transformadora” de Robert KUTTNER


= AS MINHAS LEITURAS =

in livro “O Desafio de Obama – a crise da economia americana e o poder de uma presidência transformadora” de Robert KUTTNER; colecção NOVO MILÉNIO; Editorial PRESENÇA; Lisboa 2009, pp.219.

(pp.19-36) (…) todos os grandes presidentes recorreram à sua capacidade de liderança,
em primeiro lugar, para transformar o entendimento público a respeito dos desafios nacionais e,
em segundo, para ultrapassar impasses derivados de obstruções do Congresso, do poder de grupos de interesse, da passividade do eleitorado assim como da sabedoria convencional.
Cada um à sua maneira encontraram aliados, cada um deles cresceu interiormente imenso durante o respectivo mandato. Cada um deles começou por transformar o ambiente nacional e, em seguida, a direcção da política nacional, sujeitando-se a enormes riscos políticos em nome de princípios pelos quais as pessoas lhes viriam a desenvolver um profundo respeito. Com frequência atraíram alguns membros dos partidos da oposição e também foram grandes unificadores. Estes presidentes incentivaram movimentos em prol da mudança (para o bem comum) e assim pressionaram-se a si próprios e ao Congresso para que fossem muito para além do que era considerado concebível – a audácia da esperança. Geraram um ímpeto acelerado tendo em vista reformas drásticas que se revelou politicamente irresistível. A História sugere que não basta a um presidente dispor de maioria no Congresso, precisa também de ser capaz de mobilizar apoio alargado tendo em vista mudanças significativas em todo o país.
Ser um presidente inovador significa compreender a corrente dominante, mas ser líder da mudança necessária no momento, discernir aspirações tácticas e necessidades por satisfazer nas pessoas e, em seguida, fazer dessa mudança inovadora a perspectiva dominante pela qual a população clama. Este empreendimento requer sabedoria, capacidade de decisão e de liderança. Acima de tudo, precisa de reabilitar o papel construtivo do governo quer no espírito das pessoas quer no que o governo tem para oferecer.
Os candidatos a presidentes ao reunirem legiões de equipas de sondagens e de consultores de campanha arriscam-se a ficarem reféns delas. Lincoln, Roosevelt, Lyndon Johnson não precisavam de sondagens. Desfrutavam de uma perfeita sintonia com a opinião pública, um talento que contribuiu para que fossem excelentes estrategos com uma excelente bússola interior.
(pp.37-124) Atualmente vivemos na mais grave crise financeira desde a Grande Depressão e uma recessão profunda. Esta crise é o resultado desnecessário de desregulamentação excessiva – tramóias a mais do sector privado, governo a menos para as contrabalançar.
Um sistema financeiro extremamente enfraquecido deu origem a uma contracção do crédito que as taxas de juro baixas podem apenas melhorar, não curar. Nas atuais circunstâncias, só há uma política geral de abordagem capaz de resgatar a economia da situação em que se encontra e devolvê-la ao caminho da prosperidade amplamente partilhada:
restabelecer a tributação sobre as empresas e os americanos mais ricos,
reduzir os gastos em guerras no estrangeiro,
incorrer em défices temporariamente mais elevados eutilizar as receitas para investimentos sociais de vulto (devido ao grande aumento do desemprego e também para apoiar a criação de novas empresas)
complementar os resgates financeiros dos bancos com uma supervisão e uma regulamentação muito mais rigorosas.
Roosevelt costumava deixar os seus assessores mais próximos exasperados ao ter conversas com pessoas de que nunca ninguém tinha ouvido falar. Obama tem também a perspicácia de aprender com os erros e de fazer correcções de rumo e escolheu nomear um conjunto de assessores ideologicamente díspares e ouvir cuidadosamente todos os argumentos antes de retirar as suas próprias conclusões.
É preciso começar por objectivos exequíveis e prestar muita atenção à sequência, às prioridades e à lógica das grandes transformações que dão início às reformas incrementais.
Por liderança refiro-me não apenas aos líderes de transacção que prosperam graças a acordos, compromissos e manipulações dentro de um dado sistema, mas aos líderes transformadores que dão resposta a necessidades, esperanças, expectativas e desejos humanos fundamentais e que são capazes de transcender e mesmo de procurar reconstruir o sistema político ao invés de se limitarem a operar no seu seio.” de James MacGregor Burns

O presidente Roosevelt, na sua primeira Conversa à Lareira, deixou claro que o mercado privado tinha falhado e que a ajuda do governo ia a caminho. Instaurou-se a si próprio enquanto líder do governo e, nesse papel, enquanto defensor do americano médio que estava a passar dificuldades sem que tivesse qualquer culpa disso. Ainda demoraria sete anos para o país sair da Grande Depressão, mas a população sabia que tinha um amigo na Casa Branca, um amigo que aproveitara a oportunidade para recordar aos cidadãos que as políticas liberais tinham falhado e que o governo era a fonte de auxílio.
Os cientistas políticos estabelecem a destrinça entre poder e autoridade. O poder pode traduzir-se na força bruta e a autoridade conquista-se através do respeito. O receio do poder presidencial abusivo é o reverso da medalha do desejo ardente de autoridade legítima que só uma grande liderança será capaz de restabelecer.
Todas as reformas transformadoras implicam lutas. A reforma exige a mobilização dos menos poderosos, por vezes, a concessão de poder a uma minoria corajosa e, por vezes, a conquista do apoio das pessoas quase do zero. Os grandes presidentes souberam como usar as palavras com fins inspiradores, mas também souberam como fazer jogo duro. Há ocasiões em que os presidentes fazem atrasar o progresso. “Os líderes, por muito que se afirmem em prol da harmonia, não se esquivam ao conflito; enfrentam-no, exploram-no e, com o tempo, acabam por personificá-lo.” escreveu James MacGregor Burns.
O presidente Abraham Licoln conseguiu ser um líder pelo seu carácter “sem malícia para com ninguém”. A “equipa de rivais” de Licoln incluía todos os representantes das diversas facções à excepção dos mais radicais. O gabinete era um reduto de intriga. Licoln conseguiu mantê-lo unido graças a uma cortesia e a um respeito excepcionais bem como à capacidade para liderar através do exemplo e do ensinamento. O que fazia das pessoas suas aliadas e admiradoras não eram apenas a sua inteligência e o seu bom-humor. Acima de tudo, eram a sua bondade, a sua decência, o seu idealismo e a sua honra. Não se poupou a esforços para fazer saber às pessoas que eram valorizadas quando podia ter optado por humilhá-las. Tinha uma intuição apurada para quando devia aguentar firme, quando esperar e quando liderar. Talvez o seu maior dom fosse a sua generosidade. Possuía uma capacidade admirável para transformar adversários em aliados e depois em admiradores.
A presidência (de um país) oferece oportunidades extraordinárias, muitas vezes inexploradas, para a liderança. Um presidente dotado de eloquência e de princípios detém um poder imenso para definir o momento e para transformar a nação. O ingrediente secreto para uma liderança presidencial duradoura reside no carácter. Para que o êxito possa ser duradouro, a liderança presidencial não poderá deixar de se firmar na realidade.
Atualmente a realidade é uma crise económica profunda. É uma realidade que muitos políticos estão dispostos a reconhecer, mas que poucos estão preparados para enfrentar. Antes de ser controlada, a crise tem de ser especificada.
A equipa de especialistas Demos dirige um programa Public Works empenhado em desvendar como os líderes políticos podem criar e debater sobre um governo eficaz. A essência do programa fundamenta-se na ideia de que o governo é um conjunto de estruturas públicas que nós, enquanto cidadãos, criamos e no qual depositamos a nossa confiança para auxiliar as pessoas e as empresas. O governo ajuda-nos a protegermo-nos dos riscos que não estamos em condições de enfrentar sozinhos. O governo é tanto o produto como o locus da democracia política e só será bom na medida em que a democracia também o for. As nossas instituições democráticas são o local onde nos reunimos para planear o bem comum; cabe-lhes a elas organizar o nosso ambiente e o nosso futuro. Se estas estruturas forem desmanteladas, depreciadas, dotadas de financiamento cronicamente insuficiente ou se forem desgastando a partir do interior, todos os cidadãos ficarão mais pobres.
A liderança implica frequentemente marcar uma posição que não seja defendida pela maioria dos eleitores e conseguir conquistar o seu apoio. A liderança pode ser boa ou má, baseada na realidade, na ilusão e no engano, mas nunca se trata simplesmente de perceber para onde é que o país se inclina e ir até lá.
Três motivos por que os consultores falhavam:
em primeiro lugar, muitos consultores que tinham talento para operações de campo tácticas – pôr a maquinaria da campanha a postos – acabavam a oferecer aconselhamento estratégico para o qual muitas vezes não tinham competência;
em segundo lugar, existiam conflitos de interesse flagrantes, (talvez promovidos no segredo pelos adversários). Os consultores incompetentes têm uma carreira ascendente garantida porque são “yesmen”;
em terceiro lugar, “os consultores servem para preencher uma lacuna, para desenvolverem um conjunto de políticas e linguagem interligadas sempre à disposição dos candidatos e das respectivas campanhas”
O governo precisa de garantir que os mercados financeiros especulativos nunca mais irão empurrar a economia para uma recessão grave e desnecessária. Foi implementado um código de regras destinado a tornar a competição justa, aberta e honesta com o objectivo de promover a prosperidade e a liberdade. A essência do êxito da nossa economia reside na verdade fundamental de que cada americano se sai melhor na vida quando todos os americanos saem melhor na vida; quando a prosperidade das empresas americanas, dos seus mercados de capital e do povo americano estiverem em consonância. Perdeu-se a noção de prosperidade partilhada e esta perda não foi acidental. Permitiu-se que os interesses particulares desequilibrassem a balança da nossa economia. É necessário estabelecer um enquadramento regulador adequado ao século XXI.

(…) (pp. 128-138) Começar pelo mais urgente
As primeiras medidas de Obama deveriam ser destinadas ao auxílio concreto aos indivíduos, às famílias e às comunidades. É necessário prover ao alargamento dos subsídios de desemprego para os Estados e as localidades cuja quebra de receitas os obrigou ao corte de serviços, implementar a primeira fase de um projecto a longo prazo de reconstrução das infraestruturas públicas, principalmente obras básicas de manutenção em atraso e em energias renováveis eficientes.
O investimento nas obras públicas poderia ser associado ao aumento dos subsídios destinados à formação profissional para reduzir falhas na disponibilidade de mão-de-obra especializada: adaptação das habitações e dos escritórios para uma maior eficiência energética, o alargamento de projectos-piloto já implementados em algumas cidades de pequena dimensão.
A 31 de Julho, Obama propôs a criação de um Fundo Estadual de Desenvolvimento destinado a prevenir cortes estaduais e locais nos subsídios à saúde, à educação e ao alojamento ou aumentos inadequados nos impostos sobre bens imóveis, nas portagens e nas taxas. Trata-se de um programa de reserva (de capital; por isso é importante o superavit. Em tempos de não-recessão os juros deste capital em reserva seriam receita para o Orçamento)) pronto-a-lançar de investimento antirrecessão em infraestruturas públicas. A ideia pressupõe que as localidades se possam habilitar antecipadamente a projectos preaprovados que poderão então ser implementados dentro de prazos relativamente curtos. Sempre que uma recessão se fizesse sentir, o Governo Federal disponibilizaria os fundos, sendo o dinheiro repartido entre as diversas localidades de acordo com uma fórmula.
Numa primeira fase, o investimento em obras públicas federais poderia começar pela disponibilização de verbas urgentemente necessárias e de empregos num breve prazo de noventa dias – consertar e renovar estradas, pontes, meios de transporte, parques, escolas, edifícios públicos ou a impedir cortes orçamentais tanto a nível estadual como local. A elaboração de um sistema de planeamento para uma segunda fase mais alargada exigiria cerca de seis meses. Durante a Grande Depressão, o presidente Roosevelt conseguiu põr o dinheiro a circular em poucas semanas. Posteriormente a Administração das Obras Públicas não apenas concretizou melhoramentos públicos tangíveis e criou empregos como também desenvolveu um sistema de planeamento local que permitia que os cidadãos discutissem e debatessem os projectos apresentados, dotando-os assim de um papel no estabelecimento das prioridades locais.
Porquê começar assim?
Em primeiro lugar, esta abordagem possibilitaria a distribuição de auxílio tangível, visível e rápido.
Em segundo lugar, são despesas que agradam aos contribuintes. As regiõess mais fortemente atingidas pela crise ficariam habilitadas a auxílios suplementares.
Em terceiro lugar, uma quebra económica agravada por uma contracção do crédito é uma grave recessão. À medida que a actividade económica abranda, aumentam os incumprimentos por parte das empresas. Empréstimos perfeitamente viáveis em circunstâncias normais passam a ser rejeitados ou aceites mediante taxas de juro mais elevadas porque os bancos se recusam a arriscar. Então o investimento público precisa de fazer um esforço maior a fim de contrabalançar o efeito depressivo da contracção do crédito para impedir que o pânico e a confusão se intensifiquem ainda mais.
Durante a derrocada financeira da Grande Depressão, Roosevelt optou por gastos deficitários desconhecidos em tempos de paz em torno dos 4 a 6 por cento do PIB. Em vésperas da mobilização para a guerra, o desemprego reduziu-se para metade, de 25% para 12% e a economia continuava a resvalar em sucessivas recessões. Só um idiota se lembraria de aconselhar austeridade fiscal numa recessão profunda.
A longo prazo há uma razão que justifica a subida dos impostos pagos pelos muito ricos e a aplicação desse dinheiro em obras públicas ou em investimento em independência energética, na ciência e na tecnologia ou em apoios ao ensino. O motivo prende-se com o facto de a totalidade do dinheiro ser aplicada ao passo que os rendimentos isentos de impostos dos muito ricos poderiam ser poupados, transferidos para o estrangeiro ou investidos em fins improdutivos como diamantes, ouro ou arte precolombiana.
Em termos fiscais, tal como o presidente Roosevelt reconheceu, as regras orçamentais que fazem sentido em circunstâncias normais não se aplicam a casos de emergência económica. Ao longo de todo o ciclo comercial, défices de cerca de 2% do PIB, constituem uma medida sensata. Numa altura de recessão grave, faz sentido aumentar os gastos deficitários e em circunstância alguma um programa de investimento público poderá ficar dependente do equilíbrio do défice e muito menos visar uma reforma a longo prazo da Segurança Social. Para lá de um programa imediato destinado à criação de postos de trabalho (mantendo as empresas que existem e fomentando a criação de novas empresas) e ao alívio fiscal das comunidades, o governo vigente tem de se movimentar em múltiplas frentes. O princípio fundamental é começar por fazer o que for preciso para estancar a hemorragia (da recessão) enquanto se visa a preparação de êxitos mais alargados no futuro.
O problema da habitação
Até Julho de 2008, os proprietários de casas vinham a perder biliões de dólares em home equity (valor atual das casas) a principal forma do seu valor líquido. Durante o período de expansão, à medida que os salários se desvalorizavam devido à inflação, os valores (equities) das casas ultrapassavam o valor da inflação e os proprietários adquiriram o hábito de pedir empréstimos ao banco, dando a casa como garantia, mas a taxas de juro elevadíssimas. Na primavera de 2008, mais de metade do valor das casas americanas assentava em dívidas, era o pior quociente entre dívida e equity desde a Segunda Guerra Mundial.
Em finais de Julho, o projecto-lei relativo à habitação Frank-Dodd incluía medidas destinadas às pessoas com empréstimos subprime a taxas de juro elevadíssimas obterem um refinanciamento a taxas mais moderadas com os empréstimos garantidos pela Federal Housing Administration FHA (Administração Federal da Habitação) . O Congressional Budget Office CBO (Gabinete de Orçamentos do Congresso) prevê que os bancos se irão desembaraçar dos empréstimos mais arriscados e entregá-los à FHA e que 35% destas hipotecas a baixas taxas de juro irão acabar em incumprimento, à custa dos contribuintes. O programa de auxílio funcionará mais em proveito dos bancos do que dos proprietários. Se o governo fosse democrata e não conservador, este programa incluiria um fundo que permitiria aos governos locais e organizações sem fins lucrativos adquirirem as casas sujeitas a execução hipotecária e as devolverem ao mercado de arrendamento ou as venderem com hipotecas a mais baixas taxas de juro a compradores de médios recursos.
Na era do presidente Roosevelt, perante a subida em flecha das execuções hipotecárias, no início da década de 30, o Novo Acordo inventou a hipoteca moderna a longo prazo que se vai amortizando gradualmente. O governo garantia este tipo de hipotecas para que as entidades credoras as aceitassem, criando a Federal National Mortgage Administration FNMA (Administração Federal Nacional de Hipotecas) para instituir um mercado secundário destinado a comprar as hipotecas aos credores, convertê-las em títulos governamentais e reabastecer os fundos do banco para que este pudesse conceder novos empréstimos. Quando a situação se agravava, o presidente Roosevelt e o Congresso criaram a Home Owners Loan Corporation HOLC (Associação para Empréstimos a Proprietários de Imóveis) que concedia empréstimos directos a juros baixos, à taxa de empréstimo do próprio governo. Ao longo da sua actividade, a HOLC acabou por refinanciar uma casa em cada cinco, poupando muitas famílias de execuções hipotecárias, restabelecendo a normalidade do mercado imobiliário e compensando a queda livre dos preços das casas. Devido a não ter existido corrupção e os padrões dos empréstimos se terem mantido, quando a HOLC encerrou, em 1952, rendeu um lucro modesto ao Tesouro. Quando as pessoas que trabalham no Governo, o dirigem com competência, o sector público consegue frequentemente obter melhores resultados do que o privado, sobretudo quando visa a parte social. A FNMA não teve escândalos financeiros ou perdas bancárias; desempenhou o seu papel na perfeição e havia crédito bancário em abundância. A taxa de posse de casa subiu 44% em 1940 e 64% em meados de 1960s. Depois que a FNMA foi privatizada e passou a ser Fannie Mae e os seus gestores passaram a pagar a si próprios salários multimilionários e a enveredar por riscos financeiros exóticos a instituição meteu-se em grandes problemas.
A crise da habitação cria a oportunidade de o governo ligar as casas sujeitas a execução hipotecária a aspirantes a proprietários ou arrendatários de imóveis à procura de alojamento a preços módicos. O que falta são hipotecas subsidiadas e emprestadores comunitários criativos. Para que as pessoas de médios rendimentos possam adquirir casa própria, o caminho mais seguro é usar as hipotecas subsidiadas com taxas inferiores às praticadas no mercado e aconselhamento.
 
(pp.146-149) (…) As agências de classificação de obrigações, nos moldes em que atualmente se apresentam, revelam múltiplos conflitos de interesses. São pagas por promotores de títulos de crédito por trabalho consultivo destinado a permitir que estes títulos de crédito conquistem uma classificação AAA conferida pelas próprias agências de classificação de obrigações. Tivessem estas agências agido de forma imparcial e as obrigações baseadas em empréstimos hipotecários subprime teriam tido poucos compradores. As agências de classificação de obrigações que negoceiam com firmas que garantem títulos de crédito contra incumprimento, castigam sistematicamente as obrigações públicas com classificações mais baixas em comparação com as obrigações do sector privado de modo a ajudar as seguradoras a atrair honorários. O sistema seria mais eficaz e transparente se a classificação das obrigações fosse efectuada por uma instituição pública ou sem fins lucrativos, cujos custos poderiam ser cobertos por uma taxa muito reduzida aplicada à totalidade das transacções financeiras.

O propósito fundamental dos mercados de crédito e de capital é a canalização de fundos dos investidores para os empresários. Esta actividade encontra-se infestada de intermediários que inventam produtos complexos que pouco ou nada contribuem para a eficiência dos mercados de crédito, amplificam riscos sistémicos e servem maioritariamente para lhes rechear as carteiras e para corromper os seus aliados. A população precisa de compreender o surpreendente duplo padrão: biliões de dólares de auxílio estão a ser aplicados no resgaste dos especuladores mais ricos do país e nas instituições financeiras que eles colocaram em risco de colapso e de dezenas de milhões de cidadãos americanos a braços com as consequências destes abusos que pouco ou nada recebemos bancos são grandes de mais para ir à falência e o cidadão comum é pequeno demais para ser resgatado” afirma John Bogle, fundador do Vanguard Group. A regulamentação financeira eficaz necessita de uma dimensão internacional. Deve-se aplicar o princípio de Obama segundo o qual se deve “regulamentar as instituições por aquilo que fazem e não por aquilo que são”, incluindo as que estão domiciliadas offshore. Basta criar uma regra que determine que todas as sociedades financeiras que transaccionem nos Estados Unidos devem ser sujeitas ao mesmo tipo de análise minuciosa a que são sujeitas as sociedades nacionais. Na década de 1930, a Reconstruction Finance Corporation RFC (Autoridade de Reconstrução Financeira) de Roosevelt recapitalizou inúmeros bancos e sociedades. O Novo Acordo empenhava-se também em criar um sistema moderno de regulamentação financeira a fim de poupar futuras gerações aos ciclos de especulação, crashes e resgates.

(pp.153-196) (…) Há necessidade de transformar a tendência que se verifica há trinta anos no sentido da má qualidade e da insegurança do emprego. A Escandinávia não tem empregos no sector dos serviços humanos porque tomou a decisão de que todas as pessoas encarregadas de tomar conta dos doentes, dos idosos e das crianças são profissionais ou pelo menos paraprofissionais e devem receber uma remuneração equivalente. Lá as pessoas que trabalham em infantários ou em centros de ensino préescolar ou são professores ou estão a fazer estágio para professores. As investigações mais recentes na área do desenvolvimento infantil demonstraram que um dólar investido na educação das crianças é um dos investimentos mais rentáveis que se pode fazer. Através de lutas sociais bem-sucedidas, do crescimento dos sindicatos e da aprovação de leis, a maior parte dos empregos passou a proporcionar salários decentes e benefícios adicionais. A lealdade à empresa passou a ser retribuída. Foram criados e respeitados sistemas de reparação de injustiças.

Nos Estados Unidos, nos últimos anos, a tendência para o emprego temporário tornou-se a norma e os empregos temporários e de alta rotatividade constituem o padrão. Estudos realizados em lares da terceira idade mostraram que os funcionários mais bem preparados e mais bem pagos estavam em condições de evitar o aparecimento de problemas dispendiosos. Apesar de a América precisar de mão-de-obra mais qualificada, a educação é apenas um dos factores que condicionam os salários; outro factor é o poder exercido pelos sindicatos. O facto de a gerência ser obrigada a pagar salários mais altos faz com que os proprietários dos hotéis se sintam inclinados a investir na formação profissional e na fixação dos seus funcionários de modo a valorizar o dinheiro investido;

em segundo lugar, os salários têm vindo a atrasar-se em relação à inflação numa altura em que cada vez há mais jovens americanos a concluírem cursos universitários. Dezenas de milhões de licenciados acabam por ir desempenhar funções que não exigem um curso universitário. Faz-nos falta uma política activa de mercado laboral. A Dinamarca, um país pequeno e altamente dependente do comércio, desenvolveu o seu modelo de flexissegurança – uma grande flexibilidade no mercado laboral associada a uma óptima segurança dos trabalhadores. Os mercados financeiros dinamarqueses são limpos e transparentes, as barreiras que o país coloca às importações são mínimas, os seus mercados laborais encontram-se entre os mais flexíveis da Europa, as suas multinacionais são dinâmicas e acham-se maioritariamente a salvo das políticas industriais e a taxa de desemprego do país, 2,8%, é a segunda mais baixa da OCDE.

Por outro lado, a Dinamarca gasta cerca de 50% do PIB em iniciativas sociais e apresenta a segunda taxa fiscal mais alta do mundo a seguir à Suécia para além de sindicatos fortes e de uma das distribuições de rendimentos mais igualitárias do mundo. Em troca dos 50% do PIB que pagam, os dinamarqueses recebem um seguro de saúde universal, planos generosos de apoio social à infância e de licença para assistência à família, subsídios de desemprego que, em geral, cobrem cerca de 95% dos rendimentos perdidos, ensino universitário gratuito, pensões de reforma garantidas na velhice e o sistema de reciclagem de mão-de-obra mais criativo do mundo.

Há seis características-chave que asseguram que o modelo de flexissegurança seja quer atractivo para os trabalhadores quer dinâmico em termos da sociedade: emprego pleno; sindicatos fortes reconhecidos enquanto parceiros sociais; salários consideravelmente equilibrados entre os diversos sectores de modo a que uma mudança da indústria para o sector dos serviços não represente uma quebra de rendimentos; liberdade por parte das entidades patronais para fazerem contratações e despedimentos consoante as necessidades; uma plataforma salarial abrangente e um conjunto de programas de mercado laboral que aplica 4,5% do PIB dinamarquês em iniciativas como assistência temporária em caso de desemprego, subsídios de vencimento e formação profissinal de elevada adaptabilidade. Em troca destes gastos, os sindicatos apoiam activamente quer a flexibilidade de emprego quer um conjunto de regras rígidas destinadas a eliminar a utilização fraudulenta da Segurança Social; parte-se do princípio de que os trabalhadores têm tanto direitos como obrigações.

Um trabalhador dinamarquês, que fique desempregado, tem direito a benefícios generosos, mas não pode limitar-se a ficar de braços cruzados sem fazer nada; é obrigado a aproveitar uma ampla selecção de oportunidades de instrução e de formação profissional, a maioria das quais lhe darão acesso a um emprego tão bom ou melhor ainda do que aquele que perdeu. Este sistema produz uma economia altamente dinâmica e competitiva em que não se registam extremos de riqueza nem de pobreza. O modelo dinamarquês realiza a reconciliação entre o comércio livre e a segurança económica. Num sistema global em que as empresas podem deslocar-se de um local para outro em busca de impostos baixos, mão-de-obra barata e fraca regulamentação social, Marina Hoffman, principal economista da Federação dos Metalúrgicos Dinamarqueses, afirma “Nós somos um país pequeno e a nossa sobrevivência depende das exportações … Se uma indústria multinacional dinamarquesa puder ser mais competitiva se subcontratar os seus componentes, seremos todos mais competitivos enquanto nação”.

Na Dinamarca, um funcionário de um lar de idosos, por exemplo, recebe muito mais formação e aufere de um estatuto e de um salário muito mais elevado do que nos Estados Unidos. Tendo em conta a liberdade de as entidades patronais dispensarem os empregados à medida das suas conveniências e o direito de todos os dinamarqueses a generosos benefícios sociais, não existem empresas de trabalho temporário. O número de dinamarqueses a contrato temporário tem vindo a decrescer desde meados da década de 1980. A grande maioria dos desempregados torna a entrar no mercado laboral em menos de seis meses e a taxa de desemprego a longo prazo é praticamente nula. A Dinamarca apresenta a percentagem mais alta a nível mundial, 47%, de trabalhadores que, de alguma forma, prosseguem estudos. A mão-de-obra altamente produtiva contribui para o florescimento das indústrias dinamarquesas quer vastas quer especializadas, orientadas para a exportação e os salários são cerca de 70% mais altos do que a média dos países da OCDE, mas a alta produtividade da mão-de-obra dinamarquesa justifica-os. O sistema de flexissegurança dinamarquês é fruto de mais de um século de acordos sociais consensuais com os sindicatos na qualidade de parceiros igualitários, pontuado por crises periódicas. O atual sistema data de princípios da década de 1990, um período em que a Dinamarca sofria de uma taxa de desemprego renitentemente alta. Nessa época, havia dinamarqueses adultos e capazes que se aproveitavam dos subsídios de desemprego e de invalidez para se manterem afastados do mercado de trabalho, um embaraço para a ética do trabalho que estava a tornar o sistema insustentável e a pôr a sua legitimidade em causa. Num compromisso, os sindicatos aceitaram apoiar medidas severas contra os abusos mediante a restrição do direito ao subsídio de desemprego e a criação de planos individualizados de reintegração no mercado de trabalho que exigiam que os desempregados se reunissem regularmente com os respectivos consultores para encontrar um novo emprego, muitas vezes em funções diferentes frequentemente com a ajuda dos centros de emprego do sistema. Afinal o objectivo do movimento sindical é facilitar e recompensar o emprego e não a ociosidade. Um desempregado que se inscreva no centro de emprego pode candidatar-se a oportunidades como a aprendizagem para adultos e o ensino universitário. “Quando as empresas se apercebem de que podem desembaraçar-se da mão-de-obra sempre que as condições do mercado assim o exigem, não hesitam em contratar pessoal em caso de retoma.” afirma Mogens Lykketoft, antigo ministro das Finanças e um dos principais criadores da nova estratégia.

As energias renováveis

Os Estados têm-se empenhado em acelerar o desenvolvimento e a utilização das tecnologias solar e eólica através da exigência de que os serviços públicos adquiram uma certa parte da energia que consomem a fontes renováveis a partir de uma determinada data. O objectivo é que os produtores de energia solar, seguros de um mercado em expansão, passem a aumentar o respectivo investimento e capacidade de produção. Todas estas medidas têm de ser implementadas em larga escala e isto só pode ser conseguido através do investimento público, da regulamentação pública e de uma viragem nas atuais políticas fiscais. A maior parte da energia é consumida em três tipos de locais: os edifícios, os veículos e as fábricas. Em todos os três existem amplas oportunidades quer para a defesa do ambiente quer para as novas tecnologias. Todas elas têm potencial para incrementar a actividade económica interna, restabelecer a liderança tecnológica e aumentar a disponibilidade de bons empregos.

Comunidade, Governo e autoconfiança

O melhor antídoto para a pobreza é um emprego, mas o emprego tem de garantir um salário digno.

Partidos (p.196)

O que é um partido político? V. O. Key Jr. estabeleceu a diferença entre o partido institucional, o partido no Governo e o partido no eleitorado. O partido institucional é a maquinaria que toca às campainhas, recruta e treina os candidatos, regista os eleitores e consegue garantir os votos. Idealmente mantém-se activo tanto durante como nos intervalos entre as campanhas. O partido no Governo é a aliança, forte ou fraca, entre o chefe do executivo e os seus líderes de bancada e os senadores e deputados no Congresso que apoiam ou frustram os seus programas e o partido no eleitorado é a identificação partidária dos próprios votantes.

Cidadania Democrática (p.202-206)

Na época de Roosevelt, o governo prestava uma verdadeira assistência e os cidadãos retribuíam. As Quatro Liberdades de Roosevelt são representadas por quatro cartazes em que estão o povo liberto da fome sentado em redor de um jantar do Dia de Acção de Graças à base de perú, também um cidadão comum numa reunião da câmara municipal não apenas a exercer a liberdade de expressar as suas próprias opiniões, mas também a ser encorajado a acreditar que o que tem para dizer pode fazer a diferença. O Governo efectivo e a cidadania participativa enaltecem-se mutuamente.

Para além do acréscimo da participação cívica quer através da liderança inspiradora quer mediante ajuda prática, existe uma longa lista de medidas necessárias há muito adiadas, destinadas a superar os obstáculos à participação e a atrair os eleitores às urnas. Um presidente empenhado em expandir e em aprofundar a democracia americana poderá dirigir uma nova era de renovação democrática. A psicologia implícita caracteriza-se pela circularidade. O governo competente e a participação da população revigoram a confiança na capacidade empreendedora do governo o que, por sua vez, revigora o impulso cívico.

Existem duas estratégias complementares para realçar a cidadania. Uma é através da redução das barreiras e do acolhimento da população no processo de participação; a outra é oferecer-lhe um motivo para participar. O facto de as pessoas sentirem que têm um motivo para votar contribui para o êxito da facilitação do processo de recenseamento.

A liderança não é uma via de sentido único. Numa democracia viva, a população obriga os seus líderes a não perderem a honestidade. Nas 8000 cartas que o presidente Roosevelt recebeu, as pessoas apresentavam-lhe agradecimentos, mas também ideias, queixas e anseios. Nas palavras de Barack Obama “o verdadeiro teste ao ideal americano é se seremos capazes de reconhecer os nossos fracassos e em seguida elevarmo-nos à altura dos desafios do nosso tempo; se deixamos que sejam os acontecimentos e a História a moldar-nos ou se agimos para sermos nós a moldá-los.

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